COP do Clima, ESG e os desafios para as marcas.
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
Por Guilherme Costa | Gerente de estratégia de marcas do Grupo Sal
Nos últimos dias, as atenções estão voltadas para o encontro de líderes globais que acontece no Egito, onde é realizada a 27ª sessão da Conferência das Partes (COP-27), da ONU. O evento é o principal da agenda climática global e, neste ano, o Brasil volta a ocupar lugar de destaque nas discussões, em função da participação do recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A questão climática vem tomando espaço na governança internacional especialmente desde o Acordo de Paris, assinado na capital francesa em 2015. No ambiente corporativo, o tema ganhou peso e senso de urgência a partir de 2020, quando Larry Fink, da BlackRock, divulgou duas cartas, uma para executivos de empresas e outra para seus clientes, os investidores que aplicam nos fundos da instituição. Na ocasião, ele anunciou que a sustentabilidade seria fundamental para suas decisões de investimentos.
Lembrando que a BlackRock é a maior gestora de investimentos do mundo, com valores equivalente a algumas boas vezes o PIB do Brasil sob seu guarda-chuva.
Neste ano, Fink se dedicou a defender o capitalismo de stakeholders, indicando que esse seria o poder deste sistema econômico. Nas palavras dele, “não é uma agenda social ou ideológica. Não é ‘justiça social’. É capitalismo, conduzido por relacionamentos mutuamente benéficos entre você (a carta é voltada aos CEOs) e os funcionários, clientes, fornecedores e comunidades nos quais sua empresa depende para prosperar”.
Em outras palavras, Fink parece querer trazer para a discussão a compreensão das complexas relações entre pessoas e planeta, e a urgência de uma revisão na maneira de fazer negócios e de viver em sociedade para assegurar a prosperidade socioambiental e econômica das empresas e governos.
Na mesma carta, ele aborda a questão climática, lembra aos CEOs sobre o que ele havia escrito dois anos antes, apresenta a vultosa cifra de 4 trilhões de dólares em investimentos sustentáveis desde então e questiona: “todas as empresas e todos os setores serão transformados pela transição para um mundo de emissão zero. A pergunta é: você conduzirá ou será conduzido?”.
Nos últimos anos, especialmente desde a carta de Fink, a sigla ESG (acrônimo para Environmental, Social and Governance), assumiu as narrativas corporativas no mundo todo e, não diferente, no Brasil. As empresas se viram na urgência de entender do que se trata e, claro, agir. A questão é que: i) não temos suficiente mão de obra especializada no segmento no país, ii) a narrativa ESG, no Brasil em especial, é ainda tratada – equivocadamente – por um viés ideológico; iii) a economia nacional já viu dias melhores, o que dificulta os investimentos na cadeia produtiva para uma prática verdadeiramente sustentável e, iv) as poucas políticas públicas de incentivo a tais práticas e/ou investimentos públicos minguaram na esfera federal nos últimos anos.
Diante desse cenário, as marcas, aquela entidade que transcende as empresas, se viram em uma encruzilhada: “como agregar valor com a pauta ESG se não faço nada consistente e não quero ser acusada de greenwashing?”. Quando digo as marcas aqui, me refiro àquelas que de fato pensam como marcas. A maioria apenas se viu em uma correria quase alucinatória de agregar algum valor ESG a si mesma. O que nos parece uma má escolha.
O que o ESG, a crise climática, ou antes, os ODS, os ODM ou ainda, a Agenda 21, lá nos idos da década de 90, vêm propondo é uma outra forma de se relacionar com os recursos naturais. A obrigatoriedade para as marcas e empresas não é narrativa, mas de compreensão de como fazer negócios e – ao mesmo tempo – causar impacto positivo no planeta. Como produzir bens e – ao mesmo tempo – mitigar a crise climática.
Em outras palavras, não é preciso que as marcas apenas falem em ESG, mas que, as empresas por trás delas, repensem o seu papel na sociedade contemporânea. Larry Fink, Ellen MacArthur, Michael Porter, Muhammad Yunus, Yvon Chouinard são apenas alguns nomes que ganharam projeção recente – não sem mérito, evidentemente -, mas que bebem da mesma lógica que aparece no primeiro documento no mundo ocidental a questionar nossa lógica de produção.
Em 1987, a médica Gro Harlem Brundtland, e ex-Primeira Ministra da Noruega, publica o relatório “Nosso Futuro Comum”, a convite da Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas. O documento, o primeiro a trazer a expressão “desenvolvimento sustentável”, já sinalizava:
Muitos de nós vivemos além dos recursos ecológicos, por exemplo, em nossos padrões de consumo de energia. No mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. Na sua essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas.
Ou seja, 35 anos depois – e considerando o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas -, o que vemos é que avançamos na narrativa, mas pouco na ação. É exatamente este ponto que torna esta necessária – e inadiável – jornada mais desafiadora para governos e empresas. Vamos juntos pensar como podemos agir e, então, como contar essas (boas) histórias?
Guilherme Costa é doutor em Psicologia pela Université de Caen Normandie, na França, co-coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental e gerente de estratégia de marcas do Grupo Sal.
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